segunda-feira, 12 de agosto de 2013

DOCUMENTÁRIO "AMONGST WHITE CLOUDS"


Para aqueles que querem ver como vivem alguns mestres chineses em quase completo isolamento nas montanhas, sugiro assistir o filme “Amongst White Clouds”. Infelizmente, não há tradução em português e as legendas estão em inglês.

Neste filme, o diretor norte-americano Edward A. Burger nos leva em sua inesquecível viagem ao encontro do recluso modo de vida de eremitas zen-budistas.

“Amongst White Clouds” lança um olhar sobre a vida dos estudantes ascetas e sábios mestres residentes nos eremitérios isolados que pontilham os picos e vales das Montanhas Zhongnan, da China. As montanhas Zhongnan ter sido o lar de vários seres reclusos, desde o tempo do Imperador Amarelo, cerca de cinco mil anos atrás.

Um dos poucos estrangeiros a conviver e estudar com estes sábios reclusos, Burger nos revela suas tradições, sua sabedoria e as dificuldades e alegrias de suas vidas diárias.

Para assistir ao filme completo: http://topdocumentaryfilms.com/amongst-white-clouds/

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

SERMÃO DA GRANDE DESCOBERTA

Bodhidharma



Texto atribuído a Bodhidharma
Este texto foi traduzido para o português por Shinzen,
que ofereceu sua tradução como presente ao Lama Samten
na sua ordenação em 14 de dezembro de 1996.

Se alguém está determinado a alcançar a iluminação, qual o método mais essencial a ser praticado?

O método mais essencial, o qual inclui todos os outros métodos, é contemplar a mente.

Mas como pode um método incluir a todos os outros?

A mente é a raiz da qual todas as coisas crescem. Se você pode entender a mente, tudo o mais está incluído. É como a raiz de uma árvore. Todas as frutas e flores de uma árvore, galhos e folhas dependem desta raiz. Se você alimenta a raiz da árvore, a árvore multiplica-se. Se você corta a raiz da árvore, ela morre. Aqueles que entendem a mente alcançam a iluminação com esforço mínimo. Aqueles que não entendem a mente praticam em vão. Todas as coisas boas e más vêem de sua própria mente. Achar algo além da mente é impossível.

Mas como contemplar a mente pode ser chamado de entendimento?

Quando um grande bodhisattva penetra profundamente na sabedoria perfeita (76), ele imagina que os quatro elementos e cinco trevas são destituídos de natureza própria. E ele percebe que a atividade de sua mente tem dois aspectos: puro e impuro (77). Por sua verdadeira natureza, esses dois estados mentais estão sempre presentes. Eles alternam-se como causa ou efeito dependendo das condições, a mente pura deliciando-se em bons atos, a mente impura pensando no mal. Aqueles que não são afetados pela impureza são sábios. Eles transcendem o sofrimento e experimentam a felicidade do nirvana. Todos os outros, enganados pela mente impura e enredados pelo seu própria carma, são mortais. Eles deixam-se levar através dos três reinos e sofrem incontáveis aflições, e tudo porque suas mentes impuras obscurecem seu eu verdadeiro.

O Sutra da Dez Etapas diz: "No corpo dos mortais está a natureza de buda indestrutível. Como o Sol, sua luz preenche o espaço sem fim. Mas uma vez ocultado pelas nuvens escuras das cinco trevas, é como a luz dentro de um jarro, escondido da vista. E o Sutra do Nirvana (78) diz: "Todos os mortais têm natureza de buda. Mas ela está encoberta pela escuridão da qual não podem esquecer. Nossa natureza de buda é consciência: estar consciente e fazer os outros conscientes. Perceber a consciência é liberação "Tudo que é bom tem consciência por raiz. E desta raiz de consciência cresce a árvore de todas as virtudes e o fruto do nirvana. Contemplar a mente assim é entender. O Senhor diz que nossa verdadeira natureza de buda e todas as virtudes têm consciência como raiz. Mas qual é a raiz da ignorância?

A mente ignorante, com suas infinitas aflições, paixões e males, é enraizada nos três venenos: avidez, raiva e ilusão. Esses três estados da mente venenosos por si mesmos incluem inúmeros males, como árvores que têm um único tronco mas inúmeros galhos e folhas. Cada veneno produz tantos milhões de males que o exemplo da árvore mal é uma comparação apropriada.

Os três venenos estão presentes em nossos seis órgãos (79) dos sentidos como seis tipos de consciência (80), ou ladrões. São chamados de ladrões porque entram e saem pelos portais dos sentidos, cobiçam possessões sem limites, enredam-se no mal, e mascaram sua verdadeira identidade. E porque os mortais são desencaminhados em corpo e mente por esses venenos ou ladrões, eles ficam perdidos na vida e na morte, perambulam pelos seis estados da existência (81), e sofrem inúmeras aflições. Essas aflições são como rios que correm por mil quilômetros devido ao constante fluxo de pequenas fontes. Mas se alguém corta sua fonte, o rio seca. E se alguém que procura a liberação pode transformar os três venenos nos três conjuntos de preceitos e os seis ladrões nos seis paramitas, livra-se das aflições de uma vez.

Mas os três reinos e os seis estados da existência são infinitamente vastos. Como podemos escapar de suas infindáveis aflições se tudo que fizermos for contemplar a mente?

O carma dos três reinos vem da mente somente. Se sua mente não está dentro dos três reinos, ela está além deles. Os três reinos correspondem aos três venenos: a avidez corresponde ao reino do desejo, a raiva ao reino da forma e a ilusão ao reino sem forma. E porque o carma criado pelos venenos pode ser leve ou pesado, esses três reinos são mais tarde divididos em seis lugares conhecidos como seis estados da existência.

E como o carma desses seis difere?

Os mortais que não entendem a prática verdadeira e cegamente fazem boas ações nascem nos três estados de existência dentro dos três reinos. E o que são esses três estados mais altos? Aqueles que cegamente executam as dez boas ações (83) e tolamente buscam felicidade nascem como deuses no reino do desejo. Aqueles que cegamente observam os cinco preceitos e tolamente amam e odeiam nascem como homens no reino da raiva. E aqueles que cegamente atêm-se ao mundo fenomenal, acreditam em falsas doutrinas e rezam por bênçãos nascem como demônios no reino da ilusão. Esses são os três estados mais altos da existência.

E quais são os três estados mais baixos? Eles estão onde nascem aqueles que persistem em pensamentos envenenados e más ações. Aqueles cujo carma para avidez é maior tornam-se fantasmas famintos. Aqueles cujo carma para raiva é maior tornam-se sofredores no inferno. E aqueles cujo carma para ilusão é maior tornam-se bestas. Esses três estados mais baixos juntos com os três estados mais altos anteriores formam os seis estados da existência. Com isso você deveria perceber que todo o carma, doloroso ou não, vem de sua própria mente. Se você puder concentrar sua mente apenas e transcender sua falsidade e maldade, o sofrimento dos três reinos e seis estados de consciência automaticamente desaparecerão. E uma vez livre do sofrimento, você está verdadeiramente livre.

Mas Buda disse: "Apenas após sofrer inumeráveis sofrimentos por três asankhya kalpas (85) eu atingi a iluminação. "Por que o Senhor diz que simplesmente observando a mente e superando os três venenos está a liberação?

As palavras de Buda são verdadeiras. Mas os três asankhya kalpas referem-se aos três estados da mente envenenados. O que chamamos de asankhya em sânscrito você chama de inumeráveis. Dentre esses três estados envenenados da mente estão inúmeros maus pensamentos. E cada pensamento dura um kalpa. Tal infinitude é o que Buda referiu-se como os três asankhya kalpas.

Uma vez que seu eu verdadeiro obscurece-se com os três venenos, como você poderia ser chamado de liberado até que você supere seus inúmeros maus pensamentos? Dizem que as pessoas que podem transformar os três venenos da avidez, raiva e ilusão nas três liberações passam através dos três asankhya kalpas. Mas as pessoas dessa idade final (86) são as mais estúpidas das tolas. Elas não entendem o que o Tathagata realmente quis dizer com os três asankhya kalpas. Elas dizem que a iluminação é atingida somente após kalpas sem fim e assim fazem discípulos abandonarem o caminho da buditude.

Mas os grandes bodhisattvas atingiram a iluminação apenas observando os três conjuntos de preceitos (87) e praticando os seis paramitas. Agora você meramente diz aos discípulos para observarem a mente. Como pode alguém atingir a iluminação sem cultivar as regras de disciplina?

Os três conjuntos de preceitos são para superar os três estados envenenados da mente. Quando você supera esses três venenos, você cria três conjuntos de ilimitada virtude. Um conjunto põe as coisas juntas – nesse caso, um número ilimitado de bons pensamentos por toda a mente. E os seis paramitas são para purificar os seis sentidos. O que nós chamamos de paramitas você chama de meio de transporte para a outra margem (88). Pela purificação de seus seis sentidos da poeira da sensação, os paramitas transportam você através do Rio das Aflições para a Margem da Iluminação.

De acordo com os sutras, os três conjuntos de preceitos são: "Prometo terminar com todo o mal. Prometo cultivar todas as virtudes. E prometo liberar todos os seres." Mas agora o Senhor diz que eles existem apenas para controlar os três estados envenenados da mente. Não é o contrário do significado das escrituras?

Os sutras do buda são verdadeiros. Mas há muito tempo, quando aquele grande bodhisattva estava cultivando a semente da iluminação, foi para opor-se aos três venenos que ele fez esses três votos. Praticando proibições morais para opor-se ao veneno da avidez, ele prometeu terminar com todos os males. Praticando meditação para opor-se ao veneno da raiva, ele prometeu cultivar todas as virtudes. E praticando a sabedoria para opor-se ao veneno da ilusão, ele prometeu liberar a todos os seres. Porque ele perseverou nessas três práticas puras de moralidade, meditação e sabedoria, ele foi capaz de superar os três venenos e alcançar a iluminação. Superando os três venenos varreu tudo que é pecaminoso e assim terminou com o mal. Observando os três conjuntos de preceitos ele nada fez além do bem e assim cultivou a virtude. E pondo um fim ao mal e cultivando a virtude ele realizou todas as práticas, beneficiou a si mesmo bem como aos outros, e resgatou mortais em todos os lugares. Assim ele liberou seres.

Você deveria perceber que a prática que você cultua não existe separadamente de sua mente. Se sua mente é pura, todas as terras de buda são puras. Dizem os sutras: "Se suas mentes são impuras, os seres são impuros. Se suas mentes são puras, os seres são puros." E "Para alcançar uma terra de buda, purifique sua mente. Uma vez que sua mente torne-se pura, as terras-de-buda tornam-se puras" Assim, superando os três estados venenosos da mente os três conjuntos de preceitos estão automaticamente satisfeitos.

Mas os sutras dizem que os seis paramitas são caridade, moralidade, paciência, devoção, meditação e sabedoria. Agora o Senhor diz que os paramitas referem-se à purificação dos sentidos. O que o Senhor quer dizer com isso? E por que eles são chamados de balsas?

Cultivar os paramitas significa purificar os seis sentidos superando os seis ladrões. Abandonar o ladrão do olho abandonando o mundo visual é caridade. Não deixar entrar o ladrão do ouvido não ouvindo os sons é moralidade. Empobrecer o ladrão do nariz igualando todos os odores como neutros é paciência. Controlar o ladrão da boca conquistando os desejos de sabor, elogio e explicação é devoção. Reprimir o ladrão do corpo ficando imóvel nas sensações de toque é meditação. E domar o ladrão da mente não cedendo às ilusões, mas praticando consciência é sabedoria. Esses seis paramitas são os transportes. Tais como botes ou jangadas, eles transportam seres parra a outra margem Portanto, eles são chamados de balsas.

Mas quando Shakyamuni era um bodhisattva, ele consumiu três tigelas de leite e seis conchas de mingau (89) antes de atingir a iluminação. Se ele tinha que beber leite antes de poder saborear o fruto da buditude, como pode meramente contemplar a mente resultar em liberação?

O que você diz é verdadeiro. Foi como ele atingiu a iluminação. Ele teve que beber leite antes de poder torna-se um buda. Mas há dois tipos de leite. Aquele que Shakyamuni bebeu não era leite impuro comum mas o leite do puro Dharma. As três tigelas eram os três conjuntos de preceitos. E as seis conchas eram os seis paramitas. Quando Shakyamuni atingiu a iluminação, foi porque ele bebeu esse puro leite do Dharma que ele saboreou o fruto da buditude.

Dizer que o Tathagata bebeu a mistura mundana de leite malcheiroso de vaca é calúnia. Aquilo que é verdadeiro, indestrutível, o eu dármico livre de paixões, permanece livre das aflições do mundo. Por que ele necessitaria do leite impuro para satisfazer sua fome e sede?

Dizem os sutras: "Esse boi não vive nas montanhas ou nos vales. Ele não come grãos ou restos de grãos. E ele não pasta com vacas. O corpo desse boi é da cor do ouro polido." O touro refere-se a Vairocana (90). Devido à sua grande compaixão por todos os seres, ele produz dentro de seu corpo de Dharma puro o leite de Dharma sublime dos três conjuntos de preceitos e dos seis paramitas para alimentar todos aqueles que procuram liberação. O leite puro desse verdadeiramente puro boi não somente habilita o Tathagata a atingir a buditude, mas também capacita qualquer ser que o bebe a atingir a insuperável iluminação completa.

Nos sutras inteiros Buda diz para os mortais que eles podem atingir a iluminação fazendo trabalhos meritórios tais como construção de mosteiros, fundição de estátuas, queimar incenso, distribuição de flores, acender lâmpadas eternas, prática nos seis períodos (91) do dia e noite, caminhar ao redor de stupas (92), jejum e adoração. Mas se contemplar a mente inclui todas as outras práticas, então tais trabalhos parecem redundantes.

Os sutras de Buda contêm inumeráveis metáforas. Devido ao fato dos mortais terem mentes superficiais e não entenderem coisa alguma profundamente, Buda usou o tangível para representar o sublime. As pessoas que buscam bênçãos concentrando-se em trabalhos externos em vez de cultivo interno estão tentando o impossível.

O que vocês chamam de mosteiro nós chamamos de sangharama, um local de pureza. Mas quem quer que negue entrada aos três venenos e mantém as portas de seus sentidos puras, corpo e mentes calmos, interior e exterior limpos, constrói um mosteiro.

Fundir estátuas refere-se a todas as práticas cultivadas por aqueles que buscam a iluminação. A forma sublime do Tathagata não pode ser representada em metal. Aqueles que buscam a iluminação consideram seus corpos como fornalhas, o Dharma como o fogo, a sabedoria como o ofício e os três conjuntos de preceitos e seis paramitas como o molde. Eles fundem e refinam a verdadeira natureza búdica dentro de si e derramam-na dentro do molde formado pelas regras da disciplina. Atuando perfeitamente de acordo com o ensinamento de Buda eles naturalmente criam uma semelhança perfeita. O corpo sublime e eterno não está sujeito às condições ou decadência. Se você procura a Verdade mas não aprende a fazer uma semelhança verdadeira, o que você usará no lugar?

E queimar incenso não significa incenso material comum mas o incenso do Dharma intangível, que leva embora a impureza, a ignorância e ações más com seu perfume. Existem cinco tipos de tal incenso dármico (93). Primeiramente vem o incenso da moralidde, que significa renunciar ao mal e cultivar a virtude. Em segundo lugar vem o incenso da meditação, que significa acreditar profundamente no Mahayana com determinação. Em terceiro está o incenso da sabedoria, que significa contemplar o corpo e a mente, interna e externamente. Em quarto está o incenso da liberdade, que significa romper os grilhões da ignorância. E em quinto está o incenso do conhecimento perfeito, que significa estar sempre consciente e não obstruído. Esses cinco são os tipos de incenso mais preciosos e eles são muito superiores a qualquer coisa que o mundo tenha a oferecer.

Quando Buda estava no mundo, ele disse aos seus discípulos para acender tais incensos preciosos com o fogo da consciência como uma oferenda aos budas das dez direções. Mas hoje as pessoas não entendem o significado verdadeiro do Tathagata. Elas usam uma chama ordinária para acender incenso material de sândalo e rezam por uma bênção futura que nunca vem.`

Acontece o mesmo com a distribuição de flores. Refere-se à falar o Dharma, espalhar flores de virtude, com o objetivo de beneficiar os outros e glorificar o eu verdadeiro. Essas flores da virtude são aquelas louvadas por Buda. Elas duram para sempre e nunca murcham. E quem quer que espalhe tais flores colhe bênçãos infinitas. Se você pensa que o Tathagata disse para as pessoas fazer mal às plantas decepando suas flores, você está errado. Aqueles que observam os preceitos não machucam qualquer uma das miríades de formas do céu e da terra. Se você machucar algo por engano, você sofre por isso. Mas aqueles que intencionalmente quebram os preceitos machucando a vida pelo desejo ou bênçãos futuras sofrem ainda mais. Como poderiam eles permitir bênçãos futuras virar sofrimentos?

A lâmpada eterna representa consciência perfeita. Comparando a iluminação da consciência com a luz de uma lâmpada, aqueles que buscam a liberação vêm seus corpos como a lâmpada, suas mentes como seu pavio, a adição de disciplina como o seu óleo, e o poder da sabedoria como sua chama. Acendendo essa lâmpada de perfeita consciência elas dissipam toda escuridão e ilusão. E passando esse Dharma para os outros eles são capazes de usar uma lâmpada para acender milhares de lâmpadas. E porque essas lâmpadas da mesma maneira acendem milhares de outras lâmpadas, sua luz dura para sempre.

Há muito tempo havia um buda chamado Dipamkara (94), ou "Acendedor de Lâmpadas". Esse era o significado de seu nome. Mas os tolos não entendem as metáforas do Tathagata. Persistindo na ilusão e apegando-se ao tangível, eles acendem lâmpadas de óleo vegetal comum e pensam que iluminando o interior de prédios elas estão seguindo o ensinamento de Buda. Que tolice! A luz emitida por um buda pela espiral entre suas sobrancelhas pode iluminar inúmeros mundos. Lâmpada de óleo não ajuda. Ou você pensa de outra maneira?

Praticar todos os seis períodos do dia e da noite significa constantemente cultivar a iluminação entre os seis sentidos e perseverar em cada forma de consciência. Nunca relaxar o controle sobre os seis sentidos é o que significam os seis períodos.

Por caminhar ao redor de stupas, entenda-se que a stupa é seu corpo e mente. Quando sua consciência circunda seu corpo e mente sem parar, diz-se "caminhar ao redor de uma stupa". Os sábios de outrora seguiam esse caminho para o nirvana. Mas hoje as pessoas não entendem o que isso significa. Em vez de olhar dentro elas insistem em olhar fora. Elas usam seu corpo físico para caminhar ao redor de stupas físicas. E elas ficam nessa dia e noite, ficando exaustas em vão e não se aproximando de seu verdadeiro eu.

O mesmo acontece observando um jejum. É inútil a menos que você entenda o que realmente significa. O jejum significa regular, regular seu corpo e mente de maneira que eles não sejam distraídos ou perturbados. E observar significa manter, manter as regra de disciplina de acordo com o Dharma. Jejuar significa resguardar-se das seis atrações (96) externas e dos três venenos internos e esforçar-se com muita contemplação para purificar seu corpo e mente.

Jejuar também inclui cinco tipos de comida. Primeiramente há o deleite com o Dharma. Esse é o deleite que vem de agir de acordo com o Dharma. Em segundo está a harmonia na meditação. Essa é a harmonia do corpo e mente que vem de ver através de sujeito e objeto. Em terceiro está invocar, invocar budas tanto com a sua boca e mente. Em quarto está a determinação, determinação de buscar a virtude tanto caminhando, de pé, sentado ou deitado. E em quinto está a liberação, liberação de sua mente de contaminação mundana. Esses cinco são os alimentos do jejum. Exceto uma pessoa coma esses cinco alimentos puros, ela está errada ao pensar que está jejuando.

Além disso, ao parar de comer o alimento da ilusão, se você a toca novamente você quebra o seu jejum. E uma vez que você o quebre você não colhe bênçãos do jejum. O mundo está cheio de pessoas iludidas que não vêem isso. Elas permitem ao seus corpos e mentes todos os tipos de males. Elas não refreiam suas paixões e não têm vergonha. E quando eles param de comer comida comum, elas chamam isso de jejum. Que absurdo!

É o mesmo com a adoração. Você tem que entender o significado e adaptar-se às condições. O significado inclui ação e não-ação. Quem quer que entenda isso segue o Dharma.

Adorar significa reverência e humildade. Significa reverenciar seu eu verdadeiro e atenuar as ilusões. Se você pode acabar totalmente com os desejos e poder acalentar bons pensamentos, mesmo que não demonstre, isso é adoração. Tal forma é a forma verdadeira.

O Senhor Buda (97) quis que as pessoas mundanas entendessem a adoração como exprimir humildade e dominar a mente. Então ele as disse para prostrarem seus corpos para demonstrar sua reverência, para deixar o externo expressar o interno, para harmonizar essência e forma. Aqueles que falham no cultivo do significado interno, em vez disso concentrando-se na expressão externa, nunca param de entregarem-se para a ignorância, ódio e ao mal, exaurindo-se em vão. Eles podem enganar aos outros com posturas, não se envergonham diante de sábios e são vaidosos diante dos mortais, mas eles nuca escaparão da Roda, muito menos atingirão algum mérito.

Mas o Sutra da Casa de Banho (98) diz que "contribuindo para o banho de monges, as pessoas recebem bênçãos ilimitadas." Isso pareceria um exemplo de prática externa fazendo méritos. Como isso relaciona-se com contemplar a mente?

Aqui, o banhar dos monges não se refere ao lavar de qualquer coisa tangível. Quando o Senhor Buda pregou o Sutra da Casa de Banho ele queria que seus discípulos lembrassem do Dharma de lavar. Então ele usou uma idéia do dia a dia para exprimir seu significado real, que está expresso em sua explicação de mérito das sete oferendas. Dessas sete, a primeira é água pura, a segunda fogo, a terceira sabão, a quarta amentilho de salgueiro, a quinta cinzas puras, a sexta perfumaria, e a sétima roupas de baixo (99). Ele usou essas sete para representar sete outras coisas que limpam e realçam uma pessoa pela eliminação da ilusão e impureza de uma mente envenenada.

A primeira dessas sete coisas é a moralidade, que lava o excesso tal como a água pura lava a impureza. Em segundo está a sabedoria, que penetra sujeito e objeto, tal como o fogo esquenta a água. Em terceiro está a discriminação, que livra das práticas más, tal como o sabão livra do encardido. Em quarto está a honestidade, que depura as ilusões, tal como mascar amentilho de salgueiro purifica o hálito. Em quinto está a fé pura, que resolve todas as dúvidas, tal como esfregar cinzas puras no corpo previne enfermidades. Em sexto está a paciência, que vence a resistência e desgraça, tal como perfumarias amaciam a pele. E em sétimo está a vergonha, que remedia más ações, tal como a roupa de baixo encobre um corpo feio. Essas sete coisas representam o significado real do sutra. Quando ele proclamou esse sutra, o Tathagata estava falando com seguidores do Mahayana prevenidos, e não para gente bitolada de visão obscurecida. Não é de se surpreender que as pessoas de hoje não entendam.

A casa de banho é o corpo. Quando você acende a luz da sabedoria, você aquece a água pura dos preceitos e banha a verdadeira natureza búdica dentro de você. Mantendo essas sete práticas você aumenta sua virtude. Os monges daquela época tinham sensibilidade. Eles entendiam Buda. Eles seguiam seu ensinamento, aperfeiçoaram sua virtude, e experimentaram o fruto da buditude. Mas atualmente as pessoas não podem compreender essas coisas. Elas usam água comum para lavar um corpo físico e pensam que estão seguindo ao sutra. Mas elas estão erradas.

Nossa natureza búdica verdadeira não tem forma. E a poeira da aflição não tem forma. Como podem as pessoas usar água comum para lavar um corpo intangível? Não funciona. Quando elas despertarão? Para limpar tal corpo você deve contemplá-lo. Uma vez que as impurezas provêem do desejo, elas multiplicam-se até que elas lhe cubram interna e externamente. Mas se você tenta lavar esse seu corpo, você vai ter que esfregar até que ele esteja quase acabado para ficar limpo. Disso você deveria imaginar que lavar algo externo não é o que Buda quis dizer.

Dizem os sutras que alguém que invoque um Buda de todo o coração certamente renascerá no paraíso oriental (100). Uma vez que essa porta leva à buditude, por que procurar liberação em contemplação da mente?

Se você invocar um buda, você tem que fazer isso direito. Exceto você entenda o que significa invocar, você está fazendo isso erradamente. E se você faz isso erradamente, você nunca irá a parte alguma.

Buda significa consciência, a consciência de corpo e mente que evita o mal aparecer. E invocar significa ter em mente, ter constantemente em mente as regras de disciplina e seguí-las com toda a sua vontade. É isso que significa invocar. Invocar tem a ver com pensamento e não com linguagem. Se você usa uma rede para pescar, uma vez que você já pescou você pode esquecer a rede. E se você usa a linguagem para achar significado, uma vez encontrado o significado você pode esquecer a linguagem.

Para invocar o nome de Buda você tem que entender o Dharma de invocar. Se não está presente em sua mente, sua boca canta um nome vazio. Uma vez que você está perturbado pelos três venenos ou por pensamentos pessoais, sua mente iludida não vai lhe permitir de ver Buda e você vai apenas desperdiçar seu esforço. Cantar e invocar são mundos distintos. Canta-se com a boca. Invoca-se com a mente. E por que invocar vem da mente, chama-se porta da consciência. O canto é centrado na boca e aparece como som. Se você atem-se às aparências enquanto procura o significado, você não vai achar coisa alguma. Assim, os sábios do passado cultivavam introspeção e não a fala.

Essa mente é a fonte de todas as virtudes. E essa mente chefia todos os poderes. A eterna felicidade de nirvana vem da mente em descanso. O renascimento nos três reinos também provém da mente. A mente é a porta para cada mundo e a mente é o vau para a outra margem. Aqueles que sabem onde a porta está não se preocupam em alcançá-la. Aqueles que sabem onde o vau está não se preocupam em atravessá-lo.

As pessoas que encontro atualmente são superficiais. Elas pensam no mérito como algo que tenha forma. Elas desperdiçam sua saúde e carneiam criaturas da terra e do mar. Elas tolamente preocupam-se consigo mesmas através de estátuas e stupas, dizendo para as pessoas empilhar tábuas e tijolos, pintar isso de azul e aquilo de verde. Eles forçam seus corpos e mentes, machucam-se e desencaminham os outros. E eles não sabem o suficiente para envergonharem-se. Como que algum dia iluminar-se-ão? Eles vêm algo tangível e instantaneamente apegam-se. Se você lhes fala a respeito de não-forma, eles ficam lá confusos e imbecis. Ávidos pelas pequenas bênçãos, eles ficam cegos para o grande sofrimento futuro. Tais discípulos ficam exaustos em vão. Indo do verdadeiro para o falso, só falam de bênçãos futuras.

Se você pode simplesmente concentrar a luz interna de sua mente e contemplar sua iluminação mais externa, você vai dispersar os três venenos e manter afastados os três ladrões de uma vez por todas. E sem esforço você vai ganhar posse de um número infinito de virtudes, perfeições e portas para a verdade. Ver através do mundano e testemunhar o sublime está a menos do que uma piscada. A realização é agora. Por que preocupar-se com cabelo grisalho? Mas a porta verdadeira está escondida e não pode ser revelada. Apenas mencionei contemplar a mente.


Glossário e notas


76. Sabedoria perfeita. Esse é um parafraseamento da linha de abertura do Sutra do Coração, no qual o bodhisattva é Avalokitesvara e no qual a sabedoria perfeita, ou prajnaparamita, é nenhuma sabedoria, pois a sabedoria perfeita "foi, foi além, foi completamente além" de categorias de tempo e espaço, ser e não-ser.

77. Puro e impuro. Para uma explanação mais extensa sobre isso, veja O Despertar da Fé no Mahayana, de Ashvaghosa, onde a pureza e a impureza são chamados de iluminação e não-iluminação.

78. Sutra das Dez Etapas ... Sutra do Nirvana. Quando as traduções desses dois sutras apareceram no início do Séc. V, elas tiveram um efeito profundo no desenvolvimento do budismo na China. Dentre os seus ensinamentos estão a universalidade da natureza búdica e a natureza de nirvana pura pessoal, alegre e eterna. Até então, a doutrina do vazio ensinada pelos sutras prajnaparamita tinham dominado o budismo chinês. O Sutra das Dez Etapas, o qual detalha os estágios que os bodisatvas no seu caminho para a buditude, é uma versão do capítulo sob o mesmo título no Sutra Avatamsaka.

79. Seis órgãos dos sentidos. Os olhos, ouvidos, nariz, língua, pele e mente.

80. Seis tipos de consciência. A variedade de consciências associadas com a visão, audição, olfato, gustação, tato e pensamento. O Lankavatara traz à luz compreensão, discriminação e memória (de

Tathagata) para um total de oito formas de consciência.

81. Seis estados de existência. As variedades básicas de existência através das quais os seres movem-se, tanto pensamento após pensamento ou vida após vida, até que elas atinjam a iluminação e escapem da roda se sofrimento. O sofrimento nessa roda é relativo. Os deuses no céu levam uma vida mais feliz, enquanto que os sofredores no inferno vão de dor em dor. Os demônios e os homens experimentam mais sofrimentos que os deuses, mas menos que os fantasmas famintos e bestas.

82. Prática verdadeira. Prática que leva diretamente à iluminação, em contraste à prática que leva para outro estágio de prática. Aqui a prática verdadeira refere-se a contemplar a mente.

83. Dez boas ações. Incluem evitar as dez más ações, a saber, assassínio, roubo, adultério, falsidade, calúnia, agressão verbal, maledicência, avareza, raiva e defesa de visões falsas.

84. Cinco preceitos. São para budistas leigos. São regras contra o assassínio, roubo, adultério, falsidade e intoxicação.

85. Três asankhya kalpas. Um universo é marcado por três fases: criação, duração e destruição. Cada uma dura inúmeros (asankhya) kalpas. Uma quarta fase de vazio não está incluída aqui pois ela não apresenta dificuldades.

86. Era final. O primeiro período da era de um buda dura 500 anos, depois do qual a doutrina correta começa a declinar. O segundo período dura 1.000 anos, durante o qual o entendimento da doutrina declina ainda mais. O terceiro e final período, cuja duração é indefinida, testemunha o desaparecimento final da mensagem de um buda. Outra versão designa 500 anos para cada um dos três períodos.

87. Três conjuntos de preceitos. Existem cinco para budistas leigos comuns, oito para paras os membros leigos mais devotos e dez para monges e monjas noviços. Os cinco primeiros são regras os contra o assassínio, roubo, adultério, falsidade e intoxicação. A esses cinco adicionam-se regras contra o adorno do corpo (guirlandas, jóias e perfume), conforto do corpo (cama macia) e comer demais (comer depois do almoço). E a esses oito adicionam-se postulados contra o divertimento e a posse de bens. Esses três conjuntos são resumidos pelos três votos. O voto de evitar o mal é feito por todos os crentes. O voto de cultivar virtude é feito pelos crentes leigos mais devotos. E o voto de salvar a todos os seres é feito por todos os monges e monjas.

88. Paramitas: meios de transporte para a outra margem. Os seis paramitas começam com caridade e passam por moralidade e paciência, devoção e meditação até sabedoria. Comparando os paramitas a uma balsa que leva as pessoas para a outra margem, os budistas vêm a caridade como o vazio sem o qual um barco não pode flutuar; a moralidade como a quilha; a paciência como o casco; a devoção como o mastro; a meditação a vela e a sabedoria como a barra do leme.

89. Leite ... mingau. Depois de engajar-se em práticas ascéticas inutilmente por alguns anos, Shakyamuni quebrou seu jejum tomando esse mingau de leite oferecido por Nandabala, filha de um chefe vaqueiro. Depois de tomá-lo, ele sentou-se debaixo de uma árvore e decidiu não levantar-se até atingir a iluminação.

90. Vairocana: Grande Buda Solar, que personifica o eu-dármico ou o corpo verdadeiro de Buda. Como tal, Vairocana é a figura central no panteão dos cinco budas dhyani, que inclui Akshobhya ao Leste, Ratnasambhava ao Sul, Amitabha ao Oeste e Amogasiddhi ao Norte.

91. Seis períodos. Manhã, meio-dia, tarde, noite, meia-noite e madrugada.

92. Stupas. Uma stupa é uma elevação de terra ou qualquer estrutura erigida sobre os restos, as relíquias ou escrituras de um buda. A caminhada ao redor de stupas se dá na direção dos ponteiros do relógio, com o ombro direito sempre apontando a stupa.

93. Cinco tipos de incenso. Eles correspondem aos cinco atributos do corpo de um tathagata.

94. Dipamkara. Shakyamuni encontrou Buda Dipamkara ao final do segundo asamkhya kalpa e ofereceu-lhe cinco lótus azuis. Dipamkara então predisse a futura buditude de Shakyamuni. Assim Dipamkara aparece sempre que um buda recita o Dharma do Sutra do Lótus.

95. Espiral. Um dos sinais auspiciosos de um buda é um espiral entre suas sobrancelhas que emite raios de luz.

96. Seis atrações. Aquelas aos quais os seis sentidos apegam-se.

97. Senhor Buda (no original em Inglês, Lord). Uma tradução de bhagavan, um dos dez títulos de buda. A tradução chinesa resulta em mundialmente honrado.

98. Sutra da Casa de Banho. Traduzido por An Shih-Kao em meados do Séc. II. Esse breve sutra reconta o mérito ganho em fornecer casas de banho para monges.

99. Vestimenta interna. Uma das três vestimentas reguladoras de um monge. A vestimenta interna é vestida para proteger contra o desejo. O manto de sete retalhos protege contra a raiva. E o manto de 25 retalhos protege contra a ilusão.

100. Paraíso ocidental. Também chamado de Terra Pura. Essa terra é governada por Amithaba, um dos cinco budas dhyani, associado ao Ocidente. Invocar Amithaba de todo coração assegura ao devoto renascimento na Terra Pura, que se diz estar a milhares de quilômetros, mas nem um pouco longe. Uma vez renascidos lá, os devotos têm menos problemas para entender o Dharma e atingir liberação.


Extraído de www.zen.hpg.ig.com.br/zen.html

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O "EU" FANTASMA

http://speckyboy.com/2009/01/07/29-really-creepy-and-creative-photoshopped-self-portraits/


Título original: “The Phantom Self”, escrito por: Chuan Zhi Shakya
www.hsuyun.org
Tradução: Fa Jing (Marcelo Ferreira)


Qualquer um que tenha passado muito tempo lendo sobre o Zen já encontrou o termo “Eu” muitas vezes. Alguns podem então concluir que Zen refere-se ao “Eu”. Isso pode não estar errado. Enquanto algumas pessoas pensam que Zen é ficar sentado na postura de Lótus, contemplando o espaço entre um pensamento e outro, outros interpretam o Zen como um caminho que leva ao conhecimento do “Eu”. Um Caminho que não depende absolutamente de método algum. Sim, nós nos sentamos em almofadas por horas, pernas cruzadas, corpo ereto, mas relaxado... porém não para adentrar o Zen. Nós fazemos isso para mergulhar no “Eu” e emergir com o “Eu”. Minutos, horas, dias...o tempo desaparece quando estamos unificados com o Ser, o qual é a essência primordial. Aqui não há Zen e não há “eu”. Há apenas Ser. Não há observador, nem observado. Apenas o observar.

Imagine-se indo ao cinema. Você entra no salão numa noite de sexta-feira e há muitas pessoas lá para verem o filme. Algumas com o namorado, algumas solitárias, algumas com a família. O aroma de pipoca e cachorro-quente permeia o ambiente completando a experiência de “ir ao cinema”, até que...o filme começa. Supondo que seja um bom filme e que possamos prestar atenção, após pouco tempo estaremos tão imersos nas cenas, nas personagens e na música que esqueceremos onde estamos, o que estamos fazendo e mesmo o porquê de estarmos lá. Estamos imersos no filme. Quando o filme acaba, olhamos no relógio e vemos que muito tempo se passou: quase duas horas! Deixamos, então, o salão e já está escuro lá fora. Mas estava ensolarado quando entramos! Estamos temporariamente assustados com isso. Não apenas o tempo parece ter se modificado em nós de alguma forma, mas sentimos que um período de nossas vidas simplesmente desapareceu. Voltamos, então, a pensar sobre o filme e revivemos a aventura que vivemos enquanto a assistíamos e tudo parece normal de novo. Um medo temporário de separação do “Eu” é, então, reparado.

Meditação é como ir a um filme... mas não um filme qualquer. É um filme muito, muito bom! Não é um filme de suspense que faz seu coração acelerar. É algo mais envolvente do que isso. Imagine o seu ser, a sua essência, separada de si mesmo. Imagine seu ser flutuando em um rio, saltando sobre as rochas, sobre os troncos. Imagine-se virado do avesso e tudo o que estava escondido se torna exposto. Imagine o seu ser sem uma história. Sem mãe, nem pai. Sem a experiência traumática no colégio, quando seu professor te envergonhou na frente da classe. Neste filme você está tão separado de si mesmo que não há nada mais do que se separar. Isto é meditação.

Há dois “Eus” na vida de um ser humano. Um é o “eu” que pensamos ser. O outro é o “Eu’ que realmente somos. A única diferença entre os dois é que um é concebido. E o outro está apenas lá. O “eu” concebido está lá apenas quando pensamos nele (obviamente!). É um fantasma que surge ao nosso chamado, mas ausente de outra forma. O outro ‘Eu” está lá o tempo todo. Podemos contactá-lo ou ignorá-lo, mas, de qualquer forma, ele está lá. É por isso que no Chan nós colocamos este “Eu” com letra maiúscula. Ele existe quer estejamos cientes disso ou não. Como Deus.

Zen é sobre encontrar o “Eu” e permanecer nele. Tudo o mais além disso não é Zen.

Como você saberá quando encontrar o “Eu” e adentrar o Zen? Todas as perguntas e incertezas desaparecerão.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A MENTE




do livro "A Doutrina Zen da Não-Mente"
de Daisetz Teitaro Suzuki



A concepção de Hui-neng acerca de wu-nien, que constitui o pensamento central do ensinamento zen, foi naturalmente continuada por Shen-hui nos seus Aforismos, onde se encontra uma explicação mais acabada, como já vimos. Citemos agora Te-shan e Huang-po. Um dos sermões de Te-shan diz: "Quando não houver inquietação dentro de ti, não tentes procurar algo lá fora. Mesmo alcançando o que procuras, não terás um lucro real. Procura não ter inquietação alguma em tua mente e permanece ‘inconsciente’ a respeito de tuas ocupações. Então, existirá o Vazio que funciona misteriosamente, a vacuidade que opera maravilhas. Quando começas a falar sobre o princípio e o fim deste [mistério], te iludes. Basta acalentar um nadinha de pensamento para fazer o karma entrar em ação, o que te conduz a maus caminhos. Basta que consintas que um lampejo de imaginação atravesse a tua mente para que te escravizes por dez mil kalpas. Palavras como santidade e ignorância não passam de palavras vãs; formas perfeitas e feitios inferiores são meras ilusões; se os perseguires, como poderás escapar de complicações? Mas tentar afastá-las também te trará grandes calamidades. Em ambos os casos, tudo não passa de futilidade."

Huang-po Hsi-yun, no começo do livro a que já me referi, fala da Mente que é o Buda e fora da qual não há outro meio de realizar a Iluminação. A Mente significa "estado de não-mente", e chegar a ela é a verdadeira meta da vida budista. O que se segue deve ser lido à luz do diagrama 1 e também em conexão com a idéia de Hui-neng sobre o estado de Buda, para que o ensinamento fundamental do Zen se torne mais compreensível.

"O mestre Huang-po disse a P’ei-hsin: os Budas, como também todos os seres sensíveis, têm uma só Mente; e não há outros Dharmas (objetos). Essa Mente não tem começo, nunca nasceu e nunca morrerá; não é azul nem amarela; não tem forma nem feitio; não pertence a [categorias de] ser e não-ser; não deve ser estimada velha ou nova; não é comprida nem curta, nem grande nem pequena; transcende todas as medidas, todos os nomes, todos os sinais de identificação e formas de contradição. É o absoluto ‘Isto’; a vacilação de um pensamento deixa que ela escape imediatamente. É como o vácuo do espaço; sem fronteiras, inteiramente além do que se pode calcular.

"Existe apenas essa Mente Única, que constitui o estado de Buda e nela se acham os Budas e todos os seres sensíveis, sem demonstrar diferenças, senão que estão apegados à forma e procuram [a Mente] fora de si mesmos. Por isso, quanto mais procuram, mais longe vão perdê-la. Se o Buda procura por si fora de si, se a Mente procura por si fora de si mesma, nunca haverá encontro até o fim dos tempos. Interrompe os pensamentos, esquece os teus desejos e o Buda se manifestará bem diante de teus olhos.

"Essa Mente nada mais é do que Buda e o Buda nada mais é do que os seres sensíveis. Sendo essa Mente os seres sensíveis, ela não se apresenta diminuída; sendo o Buda, ela não apresenta aumento. Ela contém implicitamente as seis virtudes da perfeição, as dez mil obras da bondade e todos os méritos em número igual ao das areias do Ganga; a ela, nada se acrescenta que tenha vindo de fora. Ela se dá livremente quando se lhe apresentam condições; mas quando cessam as condições, ela se aquieta. Quem não tem uma fé muito firme nessa Mente, que é o Buda, e busca méritos apegando-se à forma e praticando diversas medidas disciplinares, cria idéias falsas que não estão de acordo com o Tao.

"Essa Mente é o Buda e não há outros Budas a não ser este. Nem há outras mentes que sejam o Buda. A pureza da Mente é como o céu onde não há partícula de forma. Quando a mente desperta, quando um pensamento se agita, vocês se afastam do próprio Dharma, e isso se chama apego à forma. Nunca, por toda a eternidade, houve Budas presos à forma. Se você pretende atingir o estado de Buda praticando as seis virtudes da perfeição e os dez mil atos de bondade, está querendo determinar o seu próprio progresso; e nunca, em toda a eternidade, houve Budas que se graduaram seguindo um curso preestabelecido. Basta uma percepção interior da Mente Única para se descobrir que - não existe coisa alguma que se possa reivindicar como sua. Isto constitui o verdadeiro estado de Buda.

"O Buda e os seres sensíveis formam uma Única Mente e não há distinções entre eles. E como o espaço sem misturas, sem coisa alguma de perecível; é o grande sol iluminando os quatro cantos do mundo.* Quando o sol se levanta, a luz enche o mundo, mas o espaço, ele próprio, não é brilhante; quando o sol se põe, a escuridão enche o mundo, mas o próprio espaço não é escuro. A iluminação e a escuridão são condições que se substituem uma à outra; quanto ao imenso vácuo que caracteriza o espaço, permanece sempre imutável. A Mente que constitui o Buda e todos os seres sensíveis é assim; se se considerar o Buda uma forma pura, brilhante e livre, e considerar os seres sensíveis como uma forma manchada, escura, ignorante e sujeita ao nascimento e à morte, enquanto você mantiver essa opinião, nunca atingirá a iluminação, nem mesmo depois de um número de kalpas igual ao das areias do Ganga pois você está apegado à forma. Dever-se-ia saber que há uma Mente Única e, fora dela, não há um átomo de coisa alguma que se possa reivindicar como seu.

"A mente nada mais é do que o Buda. Hoje os que buscam a verdade não compreendem o que é essa Mente e, erigindo uma mente na Mente, procuram o Buda num mundo exterior a ela, apegam-se à forma e adotam disciplinas. Este é um caminho errado; de modo algum é o caminho que leva à iluminação.

"[Dizem que] é melhor fazer oferendas a um monge que alcançou o ‘estado de não-mente’ (wu-ksin) do que fazê-las a todos os Budas das dez regiões. Por quê? Estado de não-mente significa não ter mente (ou pensamentos) de qualquer espécie. lnteriormente, o Corpo da Qüididade é como pau ou pedra: imóvel, impassível; exteriormente, é como o espaço onde não há obstruções ou impedimentos. Transcende sujeito e objeto, prescinde de qualquer ponto de orientação, não tem forma nem conhece ganho ou perda. Os que perseguem [as coisas exteriores] não se aventuram a penetrar neste Dharma, pois imaginam que vão cair num estado de inexistência onde, completamente desamparados, não saberão o que fazer. Por essa razão, eles apenas espiam e logo batem em retirada. São geralmente assim os que procuram o vasto saber. De fato, esses buscadores do vasto saber são como cabelos [isto é, são muitos] enquanto que os que compreendem a verdade são como chifres (isto é, são muito poucos)."

As expressões chinesas, especialmente as que se usam para transmitir o pensamento zen, são cheias de significado e, quando traduzidas para línguas como o português, perdem por completo o poder de sugestão que possuem no original. A própria imprecisão, tão característica do estilo literário chinês, é de fato a sua força; para ligar os simples pontos de referência que são fornecidos, a fim de descobrir um significado, o conhecimento e a sensibilidade do leitor são a verdadeira determinante.

O Zen, que desdenha a verbosidade, quando forçado a expressar-se emprega o menor número de palavras possível, não apenas nos mondo (diálogos) formais e comuns, mas em qualquer dissertação comum em que o pensamento zen seja explicado. No sermão de Huang-po citado acima, e também no de Te-shan, encontramos algumas frases altamente significativas; uma delas, de Te-shan é: tan wu chi vu hsin, wu hsin yu shih; e outra, de Huang-po: chíh hsia wu hsin.

Aí está o ponto principal do ensino do Zen. A frase de Te-shan, literalmente, é: "A penas [tenha] nada na mente; tenha não-mente nas coisas". Enquanto Huang-po diz: "Para baixo, imediatamente, [tenha]não-mente".

Tanto Te-shan como Huang-po ensinam que o Zen é algo que está em contato direto com a nossa vida cotidiana; não há especulações que ascendam aos céus, não há abstrações que nos façam balançar a cabeça nem doçura sentimental capaz de transformar uma religião num drama de amor. Os fatos da experiência diária são encarados como se apresentam e deles se extrai um estado de não-mente. Diz Huang-po nas citações acima: "A Mente Original deve ser reconhecida no trabalho dos sentidos e dos pensamentos; só que ela não pertence a eles, nem é independente deles." O Inconsciente, cujo reconhecimento constitui o mushin, alinha toda a experiência que temos através dos sentidos e dos pensamentos. Quando, por exemplo, passamos pela experiência de ver uma árvore, tudo o que acontece nessa ocasião é a percepção de alguma coisa. Não sabemos se essa percepção é nossa nem que o objeto percebido está fora de nós. O conhecimento de um objeto exterior já pressupõe uma distinção entre o fora e o dentro, de sujeito e objeto, aquele que percebe e aquilo que é percebido. Quando essa separação acontece, é reconhecida como tal e é mantida, a natureza primária da experiência é esquecida e, a partir dai, começa uma série infindável de complicações intelectuais e emocionais.

O estado de não-mente refere-se ao tempo que precede a separação entre a mente e o mundo exterior, quando ainda não existe uma Mente contraposta a um mundo externo e dele recebendo impressões pelos canais dos sentidos. Ainda não existem nem a mente nem o mundo. Podemos dizer que isto é um estado de perfeito Vazio; mas enquanto ele durar, não há desenvolvimento nem experiência: é um mero nada fazer; é a própria morte, por assim dizer. Mas nós não somos feitos assim. Há um pensamento que desperta no meio do Vazio; isto é o despertar do Prajna, a separação do Inconsciente e do consciente ou, em termos de lógica, o despertar da antítese dialética fundamental. Mushin situa-se no lado Inconsciente do Prajna despertado, enquanto o seu lado consciente se desdobra num sujeito que percebe e num mundo exterior. Isso é o que Huang-po quer dizer quando afirma que a Mente Original nem depende nem independe daquilo que é visto (drista), ouvido (sruta), pensado (mata) ou conhecido (jnata). O Inconsciente e o mundo da consciência têm direções opostas mas ainda assim permanecem contíguos, uni condicionando o outro. Um nega o outro, mas essa negação, na realidade, é uma afirmação.


* Para os antigos, o espaço geográfico não era homogêneo. Cada ponto cardeal assinalava uma região qualitativamente distinta das outras, ou seja, um "mundo" diferente. Assim, a leste havia um mundo germinal, primaveril, a oeste um mundo Crepuscular etc.

http://www.nossacasa.net/shunya/default.asp?menu=443

O QUE É UM HUA T'OU?




Texto do Grande Mestre Hsu Yun

Hua-t'ou significa "palavra cabeça" e podemos contrastar o hua-t'ou com o hua-wei, que significa "palavra cauda". Se um cachorro cruzasse nosso caminho, então, antes que pudéssemos ver o corpo do cachorro, veríamos sua cabeça. E, depois de termos visto seu corpo, veríamos sua cauda. Assim, a cabeça ou hua-t'ou é o ponto no qual o pensamento se origina — o ponto anterior à sua entrada no "corpo" da consciência do ego. A cauda é o pensamento subseqüente. [...] O que, então, o hua-t'ou? É uma afirmação designada e concentrar nossos pensamentos sobre um único ponto, um ponto que existe na "cabeça" da mente original, um ponto imediatamente anterior à entrada do pensamento em nossa consciência de ego. É um pensamento "fonte". Examinemos o hua-t'ou: "Quem é que agora repete o nome do Buddha?" De todas as questões hua-t'ou, essa é a mais poderosa. Agora, este hua-t'ou pode ser colocado de forma muito diferente, mas todas as formas indicam uma questão básica. "Quem sou eu?" Não importando como a questão é colocada, a resposta deve ser encontrada no mesmo lugar onde ela se origina: na fonte, na natureza de Buddha. O ego não pode respondê-la. Obviamente, respostas rápidas e fáceis são inúteis. [...]

Desnecessário dizer, uma hua-t'ou jamais deveria se degenerar numa expressão vazia. Muitas pessoas pensam que podem enganar o hua-t'ou, enquanto permanecem envolvidas com alguma outra coisa. Enquanto suas mentes estão em outros lugares, seus lábios dizem: "Quem está repetindo o nome do Buddha, quem está repetindo o nome do Buddha? Quem está repetindo o nome do Buddha?" Essa é a forma dos papagaios mal-humorados, não dos praticantes Ch'an. O hua-t'ou tem significado. É uma questão que tem uma resposta, e devemos estar determinados a encontrar a resposta. Eu sei que "Quem sou eu?" soa como uma questão simples que poderíamos responder sem dificuldade. Mas não é uma questão fácil de ser respondida. Freqüentemente, é extremamente intrigante.

O MEIO RÁPIDO PARA O CHAN

"Take off your Mask", de Moonlight Fay



Título original: “The fast way to Chan”
Escrito por: Chuan Zhi Shakya, www.hsuyun.org
Tradução: Fa Jing


Muitos buscadores espirituais ficam frustrados à medida em que se perdem no emaranhado de métodos para se “alcançar” a iluminação apresentados na literatura budista por diversos mestres espirituais: “Tome este caminho...” “ou aquele caminho...”; “Estude este sutra, depois aquele...”; “Faça estas coisas, não faça aquelas.” Há também muita discussão sobre psicologia, filosofia, ciências, um bilhão de coisas para ocupar a mente e nos distrair da simples e direta questão da auto-realização. Enquanto todas estas coisas são, em si mesmas, boas e úteis, não é de surpreender que poucos vem a perceber a natureza iluminada em si próprios através de tais métodos. A mente descuidada naturalmente se apega ao efêmero como se este fosse permanente. Aí é quando nós paramos de perseguir nossas próprias caudas, já tontos, e nos encontramos totalmente desorientados.

Se você é uma das raras pessoas que deseja apenas por mãos à obra, aqui vão as ferramentas:

1) Adivinhe: nós já somos todos iluminados. O objetivo da prática espiritual é, simplesmente, nos fazer perceber isso.
2) Todos os caminhos para a Iluminação são, na verdade, simulações e todos eles levam à mesma Verdade.
3) Os caminhos são simulações porque, na verdade, não há caminho algum. Não há nenhum destino diferente de onde estamos neste exato momento, assim, não há o que se trilhar. Apenas estar.
4) Os caminhos apenas nos ajudam a nos prepararmos para Sermos, mas eles não nos levam a tal estado. À medida em que alguém está trilhando um caminho, esta pessoa está em uma viagem e, se ela está em uma viagem ela não está onde gostaria de estar. O lugar onde desejamos tanto chegar é exatamente onde estamos agora. Não pense que a viagem deva resultar em um destino!
5) Sentir-se perdido no trajeto e pedir que lhe digam aonde ir é como estar em sua própria casa e perguntar a alguém como ir para casa!
6) Quando nós lutamos com a prática somos como ladrões fingindo ser policiais, e assim prendemos a nós mesmos.

Mas isto não enfoca o tópico desta nossa conversa: o meio rápido para o Zen. Aqui vai: tudo o que precisamos fazer é questionar profundamente a natureza do “Eu”. Onde está o “Eu”? Quem sou “Eu”? Quem é este que está lendo este texto agora? Quem pensa estes pensamentos?

Koans, Hua Tous, cânticos, recitações dos nomes de Buddha, disciplinas religiosas de todo tipo não tem outro propósito senão o de nos trazer diretamente a encarar esse “Eu”. Não há nenhum caminho a percorrer para alcançar isso. O único esforço necessário é o de manter tal questionamento. E é aí que está a dificuldade, pois não pode haver fingimento. Nós temos que ser excruciantemente honestos com nós mesmos. Temos que ter a coragem de confrontar a natureza fundamental da vida e da morte e isso significa abandonar nossas criações mentais sobre nós mesmos e sobre tudo mais. Imparcialidade é essencial.

Assim, se você está cansado e frustrado da batalha, apenas pare e pergunte-se: “Quem é este que está cansado e frustrado?” Com o estalo de um trovão o véu desvanecerá.

E esse é o meio rápido para o Chan!

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

NOMES VAZIOS






Lin-chin (Rinzai)


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Todos os fenômenos mundanos e transcendentes não têm uma identidade fixa e real por si mesmos, não têm uma natureza inerente. São apenas nomes vazios e os nomes são vazios também. Se você continuar assim, aceitando estes nomes vazios como sendo coisas reais, estará cometendo um grande erro. Apesar de estarem lá, são todos objetos e cenas dependentes da transformação. Também há essa coisa de depender da iluminação, do nirvana e da liberação, depender dos três corpos do buddha, depender da sabedoria objetiva, depende dos bodhisattvas e buddhas. O que você está procurando das terras dependentes de transformação? Até mesmo os ensinamentos escriturais em múltiplas partes dos três veículos são apenas um papel velho para limpar a sujeira. O Buddha é uma ilusão, uma aparição. Os professores ancestrais foram apenas velhos monges.

Você não nasceu de sua mãe? Se procurar pelo buddha, você é controlado pela delusão "buddha". Se procurar pelos professores ancestrais, você está amarrado pela delusão "professores ancestrais". Enquanto estiver procurando, tudo isto é sofrimento. Seria melhor não ter quaisquer preocupações.

Há um tipo de monge careca que diz aos estudantes, "O Buddha é o absoluto. Você atinge a iluminação apenas depois da realização dos resultados de três éons imensuráveis de cultivo da prática." Boas pessoas, se vocês pensarem que o Buddha é o absoluto, então por que ele se deitou e morreu na idade de oitenta entre as árvores gêmeas no bosque de Kushinagara? Onde está o Buddha hoje? É claro que ele não nasceu e morreu diferente de nós. Você pode dizer que as trinta e duas marcas auspiciosas e as oitenta qualidades excelentes fazem-no um buddha e que um sábio rei que gira a roda [sânsc. chakravartin] deve ser um tathagata. Mas você deve entender claramente que estas são apenas aparições ilusórias. O homem do passado [chamado Fu] disse, "Os tathagatas tomam a forma corpórea a fim de estarem de acordo com os sentimentos mundanos. Temendo que as pessoas formassem visões niilistas, ele estabeleceu provisoriamente alguns nomes vazios, falando temporariamente das trinta e duas marcas e das oitenta qualidades excelentes. Estas também são palavras vazias. Se houver um corpo, ele não é o corpo essencial da iluminação. A não-forma é a verdadeira forma."

Você pode dizer que o Buddha tem seis poderes espirituais que são inconcebíveis. Mas todos os deuses, mortais, semideuses e demônios poderosos também têm poderes espirituais. Isto significa que eles são buddhas também? Não se engane quanto a isto. Os semideuses batalharam com Indra, rei dos deuses, e quando foram derrotados, reuniram sua hoste de oitenta e quatro mil e se esconderam em um orifício de uma fibra de lótus. Isto não é sobrenatural? Todos estes exemplos que citei são casos de poderes espirituais devido ao karma e dependentes [de fabricações]. No caso dos seis poderes espirituais do Buddha, não é assim. Buddha entra na forma, no som, no odor, no sabor, no toque e nos pensamentos sem ser deludido por eles. Assim, já que ele chegou à vacuidade da forma, do som, do odor, do sabor, do toque e dos pensamentos, estes não podem amarrar a pessoa independentes do caminho. Para ele, até mesmo o corpo maculado da forma, sensação, percepção, vontade e consciência é, em si mesmo, um poder espiritual para caminhar sobre a terra.

Boas pessoas, o verdadeiro Buddha é sem forma; o verdadeiro Dharma não tem marcas. O modo como estão agindo é erguer modelos e padrões baseados nas transformações ilusórias [que foram colocadas provisoriamente nos ensinamentos]. Até mesmo se conseguirem algo a partir disto, vocês serão todos espíritos de raposas selvagens. Este realmente não é o verdadeiro buddhismo, mas sim a visão daqueles que estão fora [do caminho].

As pessoas que estudam genuinamente o caminho não agarram buddhas, bodhisattvas ou arhats; não agarram os atingimentos de excelência especial dentro do mundo tríplice. São transcendentes, livres e estão por si mesmos — não são constrangidos pelas coisas. Até mesmo se a terra e o céu forem virados de cabeça para baixo, elas não estão em dúvida. Se todos os buddhas das dez direções aparecerem diante delas, elas não sentem alegria. Se [todos os tormentos] dos fantasmas famintos, dos animais e dos seres nos inferno aparecerem diante delas, elas não sentem medo. Por que são assim? Eles vêem a vacuidade de todos os fenômenos, que existe através da transformação e não existe sem ela. Vêem que o mundo tríplice é apenas mente e que a miríade de coisas são apenas consciência. Portanto, por que se preocupar em agarrar [as coisas, que são apenas] ilusões e aparições, semelhantes a sonhos?

(The Recorded Saying of Linji. Traduzido por J.C. Cleary. Berkeley: Numata
Center for Buddhist Translation and Research, 1999. Lin-chi. Pág. 29-31.)